Emoção à flor da pele | |||||||||||||
Algumas músicas nos afetam a ponto de provocar arrepios. O que faz com que essas obras tenham efeito sobre o sistema nervoso autônomo e desencadeiem excitação sensorial? | |||||||||||||
por Eckart Altenmüller, Oliver Grewe, Frederik Nagel e Reinhard Kopiez | |||||||||||||
Sexta-feira da Paixão, concerto com coral no mosteiro de Freiburger, Alemanha. No programa, a Paixão segundo São Mateus, de Johann Sebastian Bach (1685-1750). Em um momento pungente, logo após o interrogatório do sumo sacerdote, Pilatos conduz Jesus para diante da multidão e pergunta: “Quem quereis vós que eu liberte? A Barrabás ou a Jesus, de quem se diz ser o Cristo?”. “Barrabás!” – o brado da multidão faz o coração bater mais forte e as pernas fraquejarem. Nesse momento Bach emprega um acorde inesperadamente dissonante, de coro e orquestra – o equivalente musical de um soco na cara. Os ouvintes, mesmo os que conhecem a obra, sentem um “frio na espinha”.
Mas do que exatamente falamos ao nos referir a emoções? Pesquisadores do comportamento as tomam por estímulos aos quais reagimos. No caso da Paixão, resposta a um sinal acústico, reação de involuntário arrepio dos pêlos do corpo – um reflexo desencadeado pelo sistema nervoso autônomo, que se manifesta como que à flor da pele. A avaliação do estímulo poderia ser um susto provocado por uma intensidade sonora repentina, mas também por uma atitude de compadecimento, ao se pensar que um inocente será condenado à morte.
É claro que tudo depende do contexto: ante uma interpretação fraca ou entediante da mesma obra, um ouvinte sonolento – ou até frustrado – dificilmente poderá sentir aquela forma de emoção; o máximo que lhe acorrerá será um inquieto cruzar e descruzar de pernas. Em contrapartida, um ouvinte experiente, que conhece a obra, já fica na expectativa do momento em que a música lhe causará arrepios. E apenas imaginar tal passagem pode despertar as sensações. A psicologia comportamental chama essa possibilidade de “esquema de estímulo-resposta condicionados”. Esse fenômeno pode ajudar a compreender vivências subjetivas que se manifestam por meio da audição musical. A experiência intensa, que desencadeia reações do sistema nervoso autônomo, foi apreendida pelo conceito que, em inglês, se convencionou chamar chill.
SINALIZADOR EVOLUTIVO
Nos últimos anos, no Instituto de Fisiologia da Música e Medicina da Música de Hannover, estivemos pesquisando quais peças musicais provocam chills em que indivíduos e as condições em que essa reação se dá. O ponto de partida foi um projeto do pesquisador Jaak Panksepp, da Universidade Estadual Bowling Green, dos Estados Unidos. Segundo ele, tais estremecimentos remeteriam a um sistema sinalizador biológico primitivo, inerente à evolução de alguns primatas: se mãe e filho estão próximos, mas perdem o contato visual por causa da escuridão, por exemplo, o grito da mãe provoca uma reação característica. A pelagem se põe de pé, o que por sua vez mantém aquecida a pele do bebê. Transpondo o fenômeno para os seres humanos, determinados padrões acústicos desencadeiam tais reações – independentemente do contexto cultural. Em outras palavras: buscamos aquela “música chill” de caráter universal. Desde os anos 50 os psicólogos reconhecem sobressaltos musicais que intercalam estados de tensão e relaxamento como componentes essenciais da vivência emocional dos ouvintes. Mas para rastrear o que se poderia ter como “qualidades chill” fundamentais das composições seria preciso acompanhar as reações no curso do tempo. Indivíduos submetidos ao experimento durante a audição registraram o seu estado emocional de maneira contínua: diante da tela de um computador e fazendo uso de um sistema de dados coordenados, eles indicavam de que modo a música era sentida a cada instante e se a passagem imprimia sensações de calma ou estímulo. As incidências do chill deveriam ser sinalizadas com um clique no mouse. Diversos indicadores fisiológicos foram identificados: o nível de condutância da pele da mão, a atividade dos músculos da face – importantes para a expressão da mímica dos sentimentos, a freqüência respiratória, a temperatura e a pulsação. Em palestra aberta ao público, escolhemos 38 pessoas entre 11 e 72 anos, de diferentes classes sociais, com variado gosto musical. A relação de gênero era de 29 mulheres para nove homens. Entre eles, 25 tocavam ou já haviam tocado algum instrumento e 13 eram músicos amadores.
Os indivíduos em teste ouviram sete obras previamente selecionadas, além das músicas que haviam trazido – justamente as que lhes provocavam reações emocionais. Acompanharam a reprodução de 415 trechos musicais e vários deles foram repetidos por até sete vezes. Os chills ocorreram em 136 ocasiões – cerca de um terço dos casos. Reações emocionais intensas foram mais freqüentes com as músicas que eles próprios haviam trazido. No decorrer do experimento, a “tecla-chill” foi pressionada 686 vezes; logo, as obras que mais emocionavam geralmente provocavam arrepios em diferentes momentos.
Em sete dos 38 indivíduos selecionados para a apresentação, não foi notada nenhuma reação específica durante o experimento. Nem sempre emoções e reações corporais andam de mãos dadas: em 20% dos casos a experiência não se enquadra nos parâmetros psicofisiológicos e, durante suas ocorrências, igualmente sobrevém um aumento dos níveis de condutância da pele ou da freqüência cardíaca, sem que o indivíduo pressione a tecla chill. CENTROS VEGETATIVOS Para a maioria dos voluntários, entretanto, as emoções e a fisiologia revelaram uma estreita conexão: os batimentos cardíacos aumentaram, em média, quatro segundos antes do chill e cerca de dois segundos tão logo foi acusada alteração na condutância da pele. Essa diferença corresponde aproximadamente ao tempo necessário para a inervação do sistema nervoso autônomo enviar sinais para os centros vegetativos do tronco cerebral, tomando como ponto de partida as glândulas sudoríferas e os vasos sangüíneos da mão. Reações emocionais importantes se avolumavam quando a intensidade sonora chegava a uma faixa mais alta de freqüência entre 1.000 Hz e 3.000 Hz – a mais perceptível aos ouvidos humanos. Acontecimentos musicais bem específicos, entretanto, também podem produzir a reação à flor da pele: o início de uma nova seção da composição ouvida, a primeira nota de um solo, a entrada de um coro. Evidencia-se que reagimos de modo especialmente sensível ao novo – e à voz humana. Por isso o clamor por Barrabás na Paixão segundo São Mateus produz um efeito tão contundente. Em ouvintes com mais conhecimentos sobre música acontece ainda outra coisa: no reconhecimento de estruturas – motivos ou tonalidades retomados no decorrer de uma peça musical – experimentam fortes emoções, por exemplo, na passagem, usada em nosso estudo, da Toccata para órgão BWV 540 de Johann Sebastian Bach.
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quarta-feira, 2 de maio de 2012
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